Dadas as dimensões e a complexidade do projeto em andamento (reforma tributária), neste breve artigo, busco contribuir para o debate, focando o tema na perspectiva de verificar se ocorrerá uma simplificação do comércio exterior. Concentraremos nossa análise em certos pontos que considero fundamental, sendo os aspectos do Imposto sobre o Valor Adicional (IVA) Dual, que abrange a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), conforme delineado na Reforma Tributária. Conforme proposto, a CBS substituirá o IPI, PIS/Pasep, PIS/Pasep-importação, Cofins e Cofins-importação, enquanto o IBS substituirá o ICMS e o ISS.
Embora a reforma pretenda consolidar diversos tributos em uma nova estrutura com regras específicas, incluindo uma gama complexa de exceções e tratamentos diferenciados, com a promessa de simplificação e centralização, é essencial destacar que essa transformação suscita preocupações significativas. Neste artigo, focaremos nas implicações do IBS nas importações brasileiras.
Embora seja compreensível que surjam dúvidas e apreensões quanto à implementação da CBS, argumentamos que é mais urgente discutir o cenário relacionado ao IBS. Isso ocorre devido à transferência de competências tributárias municipais e estaduais para a União que o IBS engloba, incluindo o ISS e o ICMS, respectivamente. Este imposto adota uma alíquota uniforme para todos os bens e serviços, com variações possíveis entre estados e municípios, proibindo benefícios fiscais. Isso visa eliminar a guerra fiscal anterior e suas distorções competitivas e de alocamento. Conforme a regra estabelecida, nas transações entre entidades federativas, aplica-se o princípio do destino, em que o imposto pertence ao estado ou município de destino da operação.
Aqueles com mais de uma década de experiência no comércio exterior recordarão as complexas discussões sobre a competência de cobrança do ICMS em importações envolvendo operações entre estados, bem como as notificações frequentes dos governos estaduais resultantes disso.
A ausência de previsões claras no novo projeto sobre essa situação gera uma legítima preocupação de que essas discussões ressurgirão sob o regime do IBS. A previsão atual estabelece que, nas importações, o local onde ocorre o fato gerador é o domicílio do destinatário, ou seja, o importador, que é o responsável pela entrada dos produtos no país.
Entretanto, essa definição não está alinhada com as atuais normas de comércio exterior. Quando se trata de importações diretas, a atribuição de responsabilidade é clara e adequada.
No entanto, em importações indiretas, como as realizadas por conta e ordem ou encomenda, ou mesmo importações para outras filiais de uma mesma empresa localizadas em diferentes estados, com fins de beneficiamento e posterior revenda, a falta de regras claras segundo a legislação sobre comércio exterior levanta a preocupação de que essa situação anteriormente caótica possa retornar. Portanto, é crucial debater e esclarecer essa questão delicada antes da aprovação definitiva da reforma, para evitar retrocessos em termos de segurança jurídica e facilitação do comércio.
Outra preocupação relacionada ao IBS nas importações diz respeito à implementação do Portal Único de Comércio Exterior (Pucomex), cujo processo foi iniciado em 2014 e enfrentou diversos adiamentos, com a entrega programada para o início de 2026. Uma das mudanças mais aguardadas pelo setor privado é o Novo Processo de Importação (NPI), uma das principais inovações introduzidas pelo Portal Único.
Embora a Portaria Coana 77/2018 tenha estabelecido as bases do Projeto Piloto de desembaraço aduaneiro através da Declaração Única de Importação (Duimp), a sua utilização efetiva continua limitada, conforme divulgado pela Secretaria de Comércio Exterior (Secex). A resistência das Secretarias da Fazenda Estaduais em relação à Duimp desde o início e a falta de integração entre os sistemas estadual e federal têm sido os principais motivos para o desempenho inicial aquém do esperado.
Embora alguns estados tenham iniciado projetos de integração ao sistema estadual, como os casos do Pocomex, Paraná e Santa Catarina, é preocupante que outras entidades da coligação ainda não tenham dado início a esses projetos. Isso levanta questões sobre o prazo da janela única e a transição planejada. Com a perspectiva da implementação do IBS em breve, que afetará diretamente a arrecadação dos impostos estaduais, surge a dúvida se as Secretarias da Fazenda Estaduais alocarão recursos: sejam humanos, tecnológicos e financeiros para projetos de integração sistêmica, dada a perspectiva de que esse sistema perderá utilidade com a reforma tributária.
Portanto, é imperativo aprofundar e discutir adequadamente esses pontos críticos antes que a reforma seja definitivamente aprovada.
Do contrário, as boas intenções dos legisladores podem resultar em retrocessos em termos de segurança jurídica e facilitação do comércio, o que não seria benéfico para o ambiente de negócios no Brasil.
Por outro lado, é importante destacar que a eficácia do Novo Processo de Importação fica condicionada à participação das Fazendas Estaduais.
É a plena realização das economias de tempo e recursos, conforme divulgado em documentos oficiais, da funcionalidade do módulo de Pagamento Centralizado de Comércio Exterior (PCCE).
Este módulo, destinado a acelerar o desembaraço de mercadorias e resolver as atuais dificuldades relacionadas ao pagamento dos tributos de importação, em especial a comprovação do recolhimento do ICMS devido, é uma das principais promessas do sistema.
Embora seja plausível considerar que os estados reavaliem a viabilidade e a necessidade dos investimentos exigidos para a completa implementação do Pucomex, atualmente, adiar a plena ativação do sistema até a conclusão da reforma tributária pode gerar problemas significativos e aumentar a incerteza jurídica. Vale ressaltar que o cronograma do Pucomex prevê sua conclusão em 2026, enquanto a fase de transição da reforma, teoricamente, não se encerrará antes de 2033. Esse intervalo de tempo é excessivamente longo e não condiz com a urgência de adotar medidas de facilitação do comércio internacional solicitadas pelos operadores do setor.
Alguns aventam a possibilidade de a alta administração do Portal Único ser compelida a implementar unilateralmente o Novo Processo de Importação, passando a exigir apenas a Declaração Única de Importação (Duimp), mesmo antes da completa integração das Fazendas Estaduais. Entretanto, em nossa análise, esse cenário, embora pouco provável, representaria uma ameaça à eficiência das importações e poderia resultar em prazos de desembaraço mais prolongados do que os atualmente observados. Isso ocorreria devido à necessidade de autorização manual por parte dos auditores-fiscais estaduais para a maioria dos processos de ICMS, sobretudo em virtude dos complexos sistemas de créditos tributários em vigor.
Nesse cenário crítico, os benefícios esperados do Pucomex seriam seriamente comprometidos, com potencial prejuízo para as empresas que atuam no comércio exterior, especialmente aquelas localizadas em estados que têm operações substanciais devido a tratamentos tributários diferenciados.
Essas questões apresentadas são de grande relevância e exigem discussão cuidadosa e colaborativa entre os setores público e privado.
O objetivo é garantir que a reforma tributária, que parece cada vez mais próxima da aprovação, cumpra sua promessa de simplificação e harmonização.
Sem abordar tecnicamente esses desafios, existe o risco de que a reforma vá na contramão das iniciativas de facilitação do comércio implementadas com esforço considerável pelo governo, o que seria altamente indesejável e prejudicial à já frágil competitividade das empresas brasileiras.
Referencias:
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1728369&filename= PEC%2045/2019>.
SISCOMEX. Cronograma de Implementação. Disponível em https://www.gov.br/siscomex/pt br/conheca-o-programa/cronograma-de-implementacao